As atividades fazem parte da 2º Luta Antimanicomial do PI I do curso de Psicologia da URI
Uma camiseta transformada em tela, o silêncio quebrado por risos durante uma caminhada junto às ovelhas e conversas descontraídas enquanto degustavam bergamotas. Durante uma semana, os muros simbólicos que ainda cercam a saúde mental foram suavemente desfeitos no Câmpus da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) Santiago. Usuários dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS I e II) foram recebidos com afeto e criatividade em uma programação construída pelos acadêmicos do curso de Psicologia para marcar a Luta Antimanicomial movimento que resiste, há décadas, em nome da liberdade, da escuta e do cuidado em rede.
Orientadas pela Professora Rosângela Montagner, a ação mergulhou em propostas que vão além das práticas clínicas tradicionais.
- Desde o ano passado, as turmas de PI I, tem construído suas proposta de projeto, ou seja, uma Semana de Luta Antimanicomial, com várias atividades que incluam os usuários dos CAPSs de Santiago, profissionais da saúde mental, alunos, egressos e comunidade regional, possibilitando distintos espaços para inclusão e reflexão, buscando conscientizar sobre o antes e o depois da Lei da Reforma Psiquiátrica e os perigos que ainda rondam a saúde mental no Brasil -, afirma Profa. Rosângela.
A primeira atividade foi a Oficina de Pintura “Profeta das Cores”, realizada dentro dos próprios CAPS. Tintas, pinceis e tecidos se tornaram instrumentos de expressão profunda. A artesã Marilaine Nascimento, que há seis anos dedica-se ao trabalho com arte e inclusão, acompanha de perto esse processo.
- A arte fala onde às vezes as palavras não conseguem chegar. Ela abre janelas na alma. Aqui, em média, atendemos 15 pessoas por turno. E cada traço que eles criam carrega uma história, um sentimento, um grito. Isso é terapia viva -, destacou a artesã.
A arte, nesse contexto, não é apenas estética. É ferramenta de ressignificação, de diálogo e, sobretudo, de liberdade, no exato espírito da Luta Antimanicomial, que combate os resquícios do modelo manicomial excludente e propõe serviços comunitários e integrados, como os CAPS.
Seguindo o fluxo das atividades, os visitantes foram recebidos no Câmpus da URI com oficinas que ampliaram os sentidos do cuidado. Na Sala de Convivência do Prédio 09, confeccionaram máscaras que são símbolos de identidade, proteção, fantasia e revelação. No Viveiro Florestal, sob orientação do Professor Higor Machado, participaram da Oficina de Jardinagem. Entre mudas, raízes e terra úmida, floresceu o que há de mais essencial: o vínculo.
A conexão entre Universidade e comunidade também ganhou contornos sensoriais na Fazenda Escola da URI, onde a Professora Graziele Feltrin conduziu uma oficina que envolveu o Projeto Inovação Aberta em Ovinocultura. Ali, o toque macio da lã, o olhar tranquilo dos animais e a curiosidade partilhada criaram um espaço onde o afeto e diversão transbordaram.
Todas essas vivências foram registradas pelas lentes sensíveis de Ana Girardi, acadêmica do 1º semestre de Psicologia. Suas fotografias darão forma à exposição “Janelas da Alma”, que será aberta ao público no Espaço Strazzabosco no próximo sábado (17), às 18h.
- É meu primeiro trabalho de exposição, estou sentindo bastante ansiedade para o evento acontecer, respeitei a escolha de cada um da forma que me solicitaram, eu tentei sempre registrar o olhar deles para poder capturar o sentimento que transmitia, fiz meus registros sempre em interações e momentos de maior naturalidade, para conseguir assim a maior verdade daquele sentimento no momento -, comentou a acadêmica.
No CAPS, os cuidados seguem em rede: atendimento psiquiátrico, psicológico, de enfermagem, social e psicossocial. Há grupos com familiares, encaminhamentos por demanda espontânea e por indicação das Estratégias de Saúde da Família (ESFs). Mas é nos encontros como esse , com a arte, com a terra, com a universidade que se revelam outras formas de escuta e cuidado.
Mais do que oficinas, a semana foi um manifesto vivo. Uma resposta sensível aos estigmas ainda tão presentes em torno da saúde mental. Um lembrete de que a verdadeira transformação se dá quando há espaço para o afeto, para o encontro e para a escuta sem julgamentos.
A URI Santiago, ao abrir suas portas para essa experiência, reafirma seu compromisso com uma formação em Psicologia profundamente ética, crítica e humana. Uma formação que compreende que, para além da técnica, é preciso presença. E que, como ensina a Luta Antimanicomial, ninguém deve ser silenciado, muito menos trancado, por ser diferente.